Fanfic: O Baterista

Olá, galera!

Hoje eu trago um post um pouco diferente do anterior: uma fanfic — ou seja, uma estória envolvendo pessoas reais, mas que também envolve personagens ficcionais. Ela é uma fanfic dos Beatles, porém, como a maior parte dela é ficção, acredito que as pessoas que não são fãs da banda vão conseguir entendê-la perfeitamente. O nome é O Baterista, por causa do Ringo, evidentemente.

Antes de começar, deixo com vocês o link de Got To Get You Into My Life, a música dos Beatles que nomeia o capítulo (e que também está presente no final da fanfic), para quem tiver interesse:

Espero que gostem dela, pois a fiz com muito carinho.


Capítulo 1 capa

Aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, Faith não havia chegado nem ao canteiro principal. Mesmo com os sapatos ensopados pela água da chuva, apertava o passo para encurtar a distância até o neurologista. A visita ao médico não era de rotina, sendo quase urgente. Ela precisava ouvir da boca de um especialista o que já tinha quase certeza: Kahin, seu irmão, estava seriamente doente. Não era qualquer enfermidade; tampouco falta de exercícios físicos, como ele próprio pensou ser. Kahin, já havia algum tempo, tinha começado a perder o equilíbrio com frequência. Uma semana atrás, Faith o avistou num canto, tentando segurar um lápis, que teimava em escorregar da sua mão. Nos sete dias seguintes, ele não escreveu mais nada com lápis algum; porque, muito provavelmente, houve um agravamento desconhecido da sua doença. Kahin, no entanto, tentava esconder isso de sua família. Mas era impossível não perceber algo tão grave.
Naquele momento, Faith andava com pressa pela calçada entre o lago e a avenida. A pedido, principalmente, de sua mãe, ela estava determinada a tirar toda e qualquer informação que pudesse do doutor, mesmo que já desconfiasse das respostas que ele daria. A suposição de Faith era extremamente infeliz: Kahin teria a Doença de Lou Gehrig ou, em outras palavras, esclerose lateral amiotrófica — uma doença degenerativa assustadora, que, com o tempo, não permitiria o movimento dos músculos. De acordo com um de seus professores, ela mata em, no máximo, três anos. Até lá seu irmão não falaria mais, não comeria sozinho, muito menos andaria. A imaginação de Faith contribuía de forma terrível: se intrometia em seus pensamentos racionais. Em sua cabeça, estava decretada a sentença de morte de Kahin. Talvez ela estivesse mesmo assinada; porém, como irmã, Faith precisava de esperança. Mais que tudo… precisava de esperança.
Deixe o emocional de lado. Esqueça tudo e apenas ande.

Pé direito, pé esquerdo. Direito, esquerdo. Direito, esquerdo. Direito, esquerdo. Esquerdo, direito.

Seus olhos arderam com a água. Ela precisava de ar. Estava tudo gelado, tudo frio. Nesse segundo esqueceu como nadar — não que já tivesse aprendido. Só balançava os braços e pernas, instintivamente. Era tempo de mais, Faith não aguentaria. Só havia água, mais água e mais água. Até que alguém a ergueu. De instante a instante, o seu pulmão se encheu de ar, vagarosamente. Era um ritmo lento, que a deixava no mais completo pânico. Um ardor agonizante pairava em sua vista. O lago era de água salgada. Forçando-se a abrir os olhos, em meio a tons de vermelho e preto, reconheceu quem a segurava: o mesmo tal que a empurrou no lago. Não tinha o menor sentido. Quando sua vista se estabilizou e ela pôde vê-lo melhor, ele a perguntou se estava tudo bem. Se o cara não tivesse dado um sorriso simpático junto com a pergunta, era certo que ele mereceria um tapa pela falta de respeito com uma desconhecida — porém, se isso acontecesse, noventa por cento da dor se acumularia naquele nariz tão extravagante. Desvencilhando-se e indo em direção a borda, ela murmurou um “sim” meio acanhado.
Na margem do lago (ou seja, em um monte de lama), o rapaz a ajudou a subir e lhe pediu desculpas. Porém, com um sorriso de moleque na face e umas risadinhas abafadas, a atitude não foi das mais convincentes. Torcendo a barra do vestido e o cabelo, Faith se secou do jeito que podia. Naquele momento, até agradeceu por não estar nos seus melhores dias. Nos tempos bons, o garoto sairia da água com a orelha vermelha, chamando pela mamãe.
— Senhorita… — ele tocou seu ombro. — Não fique nervosa, tudo bem? — disse, pegando sua mão e apertando-a levemente.
Fazendo uma mensura meio atrapalhada, disse:
— Meu nome é Ringo… Quero dizer, é Richar… Mas isso não vem ao caso.
Depois que ele disse chamar-se Ringo, Faith se convenceu de que aquele cara estava sob efeito de droga pesadas. Primeiro ele a joga em um lago, salvando-a em seguida. Após toda essa situação, ainda diz se chamar Ringo. Só podia ser louco. No entanto, Faith se lembrava desse tal Ringo de algum lugar. Pensou em seus irmãos na hora, fanáticos pelos Beatles. Se ela não estivesse tão atarefada com a faculdade, possivelmente também se derramaria pelos garotos de Liverpool. De vez em quando se pegava pensando em como aquela faculdade estava acabando com a sua adolescência.
Faith, meio intrigada com tudo aquilo, o cumprimentou, fazendo a pergunta mais lógica para a situação:
— Meu nome é Faith — fez um aceno leve com a cabeça. —Por que você me empurrou para dentro do lago, se depois me ajudou a sair? Você é louco?
Coçando o cabelo e procurando uma resposta convincente, Ringo estava perdido. Não era todo dia que tentava assassinar alguém. A verdade é que ele estava muito indeciso. Logo após ter um impulso para jogá-la no lago, teve outro para tirá-la de lá. Afinal, ele era um assassino ou um cavalheiro? Ringo não fazia ideia. Não que ele matasse ou ajudasse muitas pessoas — ser assassino ou cavalheiro era mais um título de honra, claro (afinal, ser baterista já não estava passando tanta marra).
— Problemas pessoais.
Após se deparar com os olhos arregalados da moça, Ringo se arrependeu no mesmo instante do que disse.
— Como assim, problemas pessoais?
— Se eu responder a sua pergunta, o meu disfarce estará destruído.
Dando dois passos para trás, Faith olhou mais atentamente o sorriso dele. Veio uma mistura de I Wanna Be Your Man com Boys na sua mente. E se ele fosse aquele cara dos Beatles? De vez em quando Kahin e Thomas falavam dele (após os surtos terríveis em que o único assunto era George Harrison). Sendo ou não baterista dos Beatles, ela estava dando o fora dali. Afinal, não poderia perder a tal consulta. Estava muito preocupada com a saúde do irmão.
— Eu me comprometo com os prejuízos. Eu posso te levar até a sua residência, se assim a senhorita quiser. Se bem que a minha casa é aqui perto, e talvez, seria melhor tomar um banho quente antes.
Abanando a cabeça negativamente, Faith começou a tentar achar uma subida para a calçada.
— Não, não… Está tudo bem. Obrigada, mas eu tenho uma consulta marcada que não posso perder.
Balançando um dedo indicador erguido, como se fosse questionar uma professora, Ringo acabou tomando coragem de perguntá-la:
— Mas, moça… Você vai dar queixa de mim? — Ringo fez um biquinho cômico, seguido de uma risadinha de canto, meio zombeteira.
Ele tentava estudar os gestos dela. Era morena, com traços mediterrâneos – ou melhor, traços árabes. Será que ela ainda não tinha percebido que ele era dos Beatles? Nem mesmo seu mop-top*?
— Eu não tenho idade para sair dando queixa dos outros — ela brincou.
Um “O” se formou na boca de Ringo. Segurando de leve a mão de Faith, fez mais uma pose desengonçada.
— Então quer dizer que a senhorita tem menos de vinte?
Puxando a barrinha do vestido, Faith retribuiu a menção, já meio que irritada com as brincadeiras do rapaz.
— Sim, tenho menos de vinte. Vinte minutos para chegar a casa.
Dando meia volta, foi pela borda, procurando os sapatos. Faith sabia que não acharia. Porém, precisava fingir que estava fazendo algo, só para dar uma enrolada. Pensando bem, precisava urgentemente da carona que ele ofereceu. Como chegaria naquela consulta sem um carro, em tão pouco tempo? É claro que a olhadinha em volta era só uma disfarçada.
— O que você está fazendo? — Ringo se aproximou uns passos.
— Estou na procura dos meus sapatos para ir embora. Bem, eu não negaria ajuda.
Algo na mente de Ringo apitou: hora de ser cavalheiro, garoto. De qualquer jeito, mesmo com seus intuitos cômicos de assassino, não negaria ajuda a uma moça tão bonita. Seria complicado se Maureen a visse em seu carro… Mas, de qualquer modo, estava insatisfeito em sua relação com a mulher. Só tinham alguns meses de casado, mas ele já estava quase enlouquecendo. Embora o matrimônio deles não fosse sério, e os dois mantivessem relacionamentos extraconjugais, estava difícil conseguir isso também… Não o interprete mal: Ringo é um ótimo baterista, no auge do sucesso, e aqueles olhos azuis às vezes funcionavam bem. Porém, ele não conseguia achar, pelas ruas, aquelas fãs que gritavam em seus shows. Já fora até em um fã-clube dos Beatles para tentar achar alguma menina bonitinha por lá — mas, infelizmente, elas estavam mais interessadas em Paul, George e John. Conclusão: ele pode até pular a cerca, mas não tem ninguém do outro lado à sua espera.
— Sendo um cavalheiro, como eu negaria ajudar tão estimada moça?
— Do mesmo jeito que me jogou dentro do lago.
— Um banho é sempre bom — Ringo respondeu com um sorriso descarado pela cara.
Com as bochechas infladas, só querendo uma breve carona, Faith disse:
— Você está insinuando que eu não tomo banho? Olhe bem, eu estou tentando não ficar irritada com o senhor. Eu tenho uma consulta ao médico, e é assunto importante.
— Calma, calma… — apertou os olhos, tentando se lembrar do nome da moça. — Seu nome é Faith, não é? Sempre gostei desse nome. Acho que se eu tivesse uma filha ela se chamaria assim… Se bem que eu preferia uma namorada com esse nome, mas isso também é outra história.
Em contrapartida à péssima cantada, ela já perdia a paciência. Tentou dar uma olhada nas horas no relógio de pulso… Mas a água acabou com ele.
— Pare de falar e me mostre onde está seu carro, preciso da carona.
Ver os olhos azuis de Ringo se arregalando não teve preço. Foi melhor do que todas as palhaçadas que ele já havia feito, e Faith precisou segurar um sorriso tímido.
— Por que você não falou antes? — ele fez um sinal com a mão direita para que ela o seguisse. — Minha casa é pertinho.
— Eu não posso ir a sua casa. Só aceito a carona. Meu pai não gosta que eu entre na casa dos outros.
— Se você quiser a carona vai ter que ir a minha casa. Onde você acha que eu deixo o carro? — riu novamente.
Ringo adorava as suas próprias ironias. Era fantástico, para ele, alguém que dissesse algo como “do mesmo jeito que me jogou dentro do lago”; porque, como diria sua mãe, isso era “super respondão”. E ele gostava disso. Mais ainda, ele gostava de quando ela se esforçava para não rir da cara dele. Ringo era a única pessoa no mundo que havia se cansado de aplausos e risos — mesmo que ele sempre acabasse os provocando.

“Eu estava só, saí para dar uma volta
Não sabia o que iria encontrar por aí
Outra estrada onde talvez eu
Pudesse ver um outro tipo de mente por lá
Oh, então de repente eu vejo você
Oh, eu já contei que preciso de você
Todo santo dia de minha vida?


*mop-top: estilo de cabelo que os Beatles usavam, caracterizado por uma franja.

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